Muito se fala dos casos de mortes e bullying nas escolas por causo da recente tragédia em Goiânia (GO), que também nos lembraram dos casos de Realengo (RJ) e Columbine (EUA). Quero ir mais além, e dizer que Columbine mora ao lado.
27 de janeiro de 2003
– TV Bandeirantes/Sistema Clube de Comunicação, bom dia.
– Moça pelo amor de Deus manda a TV pra cá, o menino atirou em tudo na escola.
– Calma meu senhor, preciso saber disso direitinho, me passa mais detalhes, que escola.
– Em Taiúva moça, pegou a turma do colegial. Toda criançada está lá, aqui não tem hospital. Ele se matou lá no meio da escola.
– Quem está com essa brincadeira de mau gosto. O que você quer, diz aí?
– Moça você acha que eu ia brincar com uma coisa dessas. Se você não quer, vou ligar para a rede Globo.
Derrubei o telefone, minha pressão caiu, não lembro de mais nada. Ali eu não era só uma jornalista apurando os fatos, eu era uma taiuvense com a irmã no terceiro colegial.
Só de lembrar me dá agonia, alguém deve ter assumido meu posto na produção, enquanto outros tentavam me reanimar até eu conseguir falar com meus pais.
– Calma Cris, está tudo bem, foi na turma dela sim, mas só estavam os alunos da recuperação por isso a tragédia foi menor.
– O que aconteceu?
– Ainda não sei. A cidade está repleta de ambulância, polícia, jornalistas, deve ter mais gente de fora do que daqui mesmo.
Tentou brincar minha mãe para aliviar aquela tensão. Taiúva é uma cidade de pouco mais de cinco mil habitantes no interior de São Paulo. E como toda cidade pequena um lugar pacato, onde todos se conhecem, onde a cooperação anda junto, onde a vida é mais vagorosa e simples. Esse acontecimento mudou a rotina por alguns meses. Taiúva até apareceu no Fantástico, de fantástico não tinha nada, muito sensacionalismo, especulações…
De Taiúva a Realengo – relembre outros casos de atiradores em todo país (Folha de São Paulo)
Edmar, 18 anos, atirou em professores, alunos e funcionários e depois se matou. Foram 15 disparos, feriram 8 pessoas, um ficou paraplégico, só Edmar morreu.
Esses casos se replicam pelo Brasil e fora, todos envolvendo a banalização da vida, a falta de diálogo familiar e social, o fácil acesso às armas. E mais, a educação precária onde se há a reprodução de conteúdos, num mundo que tudo se moderniza, menos os métodos de estudo; onde não se coloca a inteligência emocional como assunto de estudo; onde o professor não é valorizado, quem será, quem?
Lembro quando meu filho era pequeno, eu ia levá-lo para a escola e escutei: Mãe nós já estamos indo para aquela prisão de escrever? Eu não falei nada, não tinha nada melhor para oferecer. Estudar ainda é um bom caminho, mas com certeza temos muito a aprimorar, o mesmo vale para a democracia (uma bebê no Brasil que precisa aprender andar sozinha).
Edmar foi menino de creche, minha mãe cuidava dele, ela diz que ele era calado, poucos amigos, chorão, apanhava sem reagir. Quando foi para a escola, era um adolescente gordinho, o que foi sempre motivos de piadas como relata minha irmã. Por isso começou tomar vinagre, emagreceu, ainda assim era motivo de chacota e ficou apelidado de vinagrão. Ele era filho único. O pai dele é lavrador, a mãe dona de casa, são pessoas simples e bem aceitas. Continuam morando no mesmo lugar, perto da casa da minha mãe, de vez enquanto elas batem papo:
– A tristeza nunca saiu do olhar dela, ela me pergunta se ele era um menino bom (como se quisesse confirmar a educação dada), e ele era, só não sabia se defender, diz minha mãe.
Perguntei: Mas e as armas?
- A mãe dele fala que ele tinha um guarda-roupa trancado, que ele ficava muito tempo trancado no quarto, que ela nunca poderia imaginar isso.
Na investigação, a perícia achou muita munição e informações sobre o Hitler.
Enfim gente, precisamos incentivar a auto-estima, valores éticos e voz ativa de nossos filhos e alunos. Sim, precisamos falar de saúde mental o quanto antes para prevenir que outras crianças e adolescentes sejam vítimas de assassinatos, queimaduras, suicídio.
A Columbine mora ao lado, ou melhor, nunca pense que isso nunca possa acontecer com você.
A tragédia sempre mora mais perto do que pensamos. Insistimos em não ver.
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Concordo com você Alda. Digo que também precisamos observar quem precisa de ajuda.
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Educação é de berço e muitos deixa o mundo educar e muita vezes é tarde pra reagir. Pode acontecer com qualquer um.
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É isso Deivid, é uma mistura de caráter com meio social e oportunidades de desenvolvimento pessoal. Mas as reações à pressão depende de cada um.
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Você acertou Cristileine, ao dizer que precisamos incentivar a auto-estima, valores éticos e voz ativa de nossos filhos e alunos. Trocar os “presentes” por “presença”. Creio que o diálogo é sempre um bom caminho e a palavra “respeito” ainda é um bom tema. De qualquer forma, penso que ter livros é sempre melhor do que ter armas em casa. São coisas para reflexão. Obrigado por compartilhar… beijo no coração!
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Sandro, falei da auto-estima, pois, eu mesma tive bastante dificuldade para alcançá-la. Meu perfil de criança era como o do Edmar, calada, chorona…mas tenho certeza que foram os livros que me abriram a mente. Gostei do que você pontuou, dar mais presença do que presentes. E, respeito é tudo. Outro beijo no coração 🙋🏽♀️
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Verdade. E ainda acrescento que devemos falar sobre bullying, sobre humilhação e sobre como cada pessoa reage de um jeito a cada situação.
Porque a junção de bullying com transtornos mentais pode ser fatal.
Enfim, é muito triste sempre que essas tragédias acontecem.
E sinto muito por você ter vivido uma tão próxima.
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Pertinente associação Tati, bullying e transtornos mentais são uma combinação explosiva. Agradeço por minha irmã não estar lá aquele dia. O rapaz que ficou paraplégico refez a vida, parece bem. Já a mãe do atirador, que se suícidio, parece que morreu em vida.
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Sempre imagino se a pessoa estava recebendo algum tipo de acompanhamento psicológico e psiquiátrico, pois os sinais de bullying ou alguma outra questão do próprio jovem ou adulto já deviam estar aparecendo. A educação em casa, na escola, em toda parte devia ser preventiva contra toda forma de violência.
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Então Mariana, a realidade numa cidade pequena do interior é completamente diferente. Lá muitas pessoas (como o pai do garoto) ainda dependem de trabalhar na roça. São muito humildes. O diálogo tem que ser feito em outro tom. Com o avanço da internet, muitos têm acesso à informação. Mas ainda é a terra de quem tem um olho é rei, como a maioria das cidades no Brasil. Infelizmente o assunto bullying só começou a ser levantado depois desses acontecimentos, por medo, não por prevenção. E em “alguns” lugares está virando até motivo de perseguição, onde tudo é bullying, a mania do politicamente correto que faz com que a própria escola cometa o bullying. Enfim, temos que dosar e acima de tudo olhar para o nosso lado com atenção para ver se alguém precisa de ajuda.
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Que triste! E seu texto é pertinente ao descaso em relação ao futuro do que estamos criando com nossas ideias “progressistas” tão de vanguarda. É preciso repensar as responsabilidades de educação da família como norteadora dos rumos desses jovens. Mas tb é preciso que o poder público assuma sua responsabilidade e pare de dar somente paliativos; assim como a sociedade tem que arcar com sua parte nesse construir social que ocupará seu espaço um dia; queiramos ou não.
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Rosa Cruz, sinto que estamos numa fase de batata-quente, ou seja, a família joga a responsabilidade para o Estado, e esse devolve. Mas somos todos participantes dessa história e precisamos agir. Abraços 🙋🏽♀️
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