Leveza para flutuar longe da caverna.

É a primeira vez que escuto conscientemente a caverna me chamar. Primeiro achei que era TPM, aí passou a menstruação. Depois achei que fosse a alteração no fuso horário, já faz uma semana que voltei para casa. Os místicos diriam que é o inferno astral, o psiquiatra falou que é recomendado eu tomar um remédio para dormir…

O que sinto é uma revolta gigante: pela frivolidade das relações humanas, por meus fracassos em socializar, pelas demandas que não se encontram com meus desejos, pela covardia de não ser quem eu sou, por não saber quem eu sou.

É tudo tão conflitante em minha mente, sigo a bula, sigo as regras, invento ilusões, mas têm dias que nada disso funciona. Fico horas com o fone de ouvido procurando uma sabedoria mastigada; também fico horas comigo mesma, tentando me esvaziar… procurando meu cântico.

Nada me acalenta, então, procuro me ocupar outra vez, estudo, estudo, caminho, limpo, transporto e tomo meu vinho, nada, nada me acalenta.

Estou na porta, não quero entrar. Aqui em cima pelo menos acho que sei como lidar, posso usar armas e máscaras, na caverna não.

Subi para o meu quarto mais uma vez hoje, por que há tanta braveza em mim? Deu saudades da época de criança quando eu podia bater a cabeça na parede sem ninguém me recriminar, achavam graça.

Ainda bem que minha testa era e é bem grande e resistente para absorver impactos. Digo ainda bem, pois, senão não teria a oportunidade de ser mãe. Mas até com meus filhos voltei brigar. Não gostaria que eles levassem esse peso que é meu. Mas como já disse aqui antes: a vida é feita de exemplos.

Tenho um forte desejo de ajudar a humanidade, mas toda vez que tento me aproximar dela me machuco cada vez mais. Quantas vezes me questionei o porquê sou assim. Mas tenho observado que os outros não são muito diferentes. Só mudam a maneira de agir e de se apresentarem para os demais.

Gostaria de ter um pouco mais de leveza para flutuar bem longe da caverna. Mas até meu corpo começa a pesar mais, 40% reflexo da comida da mãe, Brasil que delícia seus sabores, e os outros 60% são os ataques aos chocolates e cervejas.

Tentei explicar tudo isso ao psiquiatra nesse último retorno mensal, mas parece que ele não entendeu nada do inglês que eu falei.

Dr., não vou tomar remédio para dormir, vou sim ficar longe do celular; vou continuar com o antidepressivo o qual atribuo esse meu entendimento de escutar a caverna me chamar, agora posso dizer não. Vou também tomar a vitamina D que continua baixa no meu organismo, não sei porque cargas d’água não a estou metabolizando, já que por aqui está o maior sol.

Hoje derramei todas essas agonias na floresta, estava tão fresquinho por lá, ontem choveu e meu tênis voltou cheio de barro. À noite vou escutar a resposta da floresta quando eu dormir.

Peço desculpas à vocês por espirrar um pouco de barro por aí, é que nem sempre há poesias por aqui.

Vista de Frankfurt do alto da floresta.

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25 comentários

  1. “os outros não são muito diferentes. Só mudam a maneira de agir e de se apresentarem para os demais.” Grande verdade, amiga! Cada qual escolhe como enfrentar a caverna! E seus “barros” são pura poesia. Mande-os sempre que puder…Obrigada!

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  2. Não peça desculpas, Cris, porque o barro existe e vê-lo nessa rede, onde todos exibem sorrisos brancos, é, ao meu ver, uma bênção – é a vida, sabes? identifiquei-me e me pergunto diariamente por que há tanta braveza em mim? Minha psicanalista disse que pode ser coragem, porque braveza é coragem! Sejamos corajosas, então! Beijão.

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  3. Lemos, e ouvimos, e aprendemos. Mas isso não nos completa. Acho que o conhecimento, ao contrário, cria mais espaço. A cada coisa que aprendemos, vemos que há muito mais no mundo a ser visto, há muito mais a ser descoberto. Acho também que se sentir bem é aceitar esse vazio e ficar feliz por ser assim, por sempre ter mais a ser feito, melhorado, aprendido. Nisso vem também a leveza: não se precisa conhecer o caminho da felicidade, mas apenas seguir seu próprio caminho. E faz parte de um bom caminho tanto espirrar barro quanto espalhar poesias 😉 🙂
    PS: também li sobre a falta de investimento em remédios para depressão, e fiquei curiosa para saber que histórias seu marido te conta. Pois imagino que há muito mais nessa indústria do que contam, mais do que a busca pelo lucro.

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    1. Aceitar o vazio, okay. Mas tem dias que parece que não vamos caber dentro do corpo, é estranho, penso num conselho que você me deu: espera que vai passar, não dê muita relevância para essa dor…quando estou assim, percebo que a terapia ajuda mais que o remédio. Agora é um misto de medo junto, de que tudo volte, as dores no corpo, o isolamento, a irritação. Amanhã é dia de terapia, que bom que posso ter esse auxílio, penso em quem não pode. Quanto às indústrias, é tudo mais do mesmo. Já viu o vídeo “A história das coisas”? É bem aquilo, só esquecemos que nós somos as coisas. Abração.

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      1. Entendo o medo de que tudo volte. As dores deixam marcas. Mas não deixe este medo te paralisar. Bem que a gente podia ficar bem e simplesmente nunca mais ficar mal, mas a vida não respeita esse nosso desejo. Mas vou te dar outro conselho: lembre-se que essas dores que você sentiu nunca mais vão voltar da mesma forma, porque você já não é mais a mesma. Porque você já superou dores parecidas. E aprendeu. E quando essas angústias se aproximarem novamente não será como antes. Você as verá de longe, irá reconhecê-las e saberá como mandá-las embora.
        Aproveite a terapia amanhã! Realmente ajuda muito ❤

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  4. Você respira o ar num mesmo lugar que outrora respiraram Nietzsche e Heiddegger e Hannah Arendet….não sei se já leu, mas, um romance, que me ajudou bastante a decifrar esta sensação nauseante do ponto de vista do francês Sartre, quando Nietzsche chorou…não é acadêmico, nem histórico, mas, é uma boa leitura…não é farmacêutico, mas, é propedêutico… segue o link,,,
    fhttps://www.saraiva.com.br/quando-nietzsche-chorou-2647218.htmloi

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  5. Entre tranquilidades e intranquilidades navega o mundo. E todos nós!
    Uns de uma forma, outros de outra, mas poucos com a capacidade e a coragem de a partilhar com os demais como a Cristileine faz de uma forma tão envolvente, verdadeira e, na minha perspectiva, sempre poética.
    Entretanto…mesmo ao lado de uma escura caverna pode estar outra com belíssimas pinturas nas paredes. Tudo tem um lado positivo, mesmo que em certas alturas não o consigamos ver.
    Obrigada pela partilha.

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    1. Dulce, obrigada por sua presença tão confortante. Entendo suas palavras, gostei da alusão ao mito da caverna. Sempre falo da depressão como a caverna, mas não tinha feito essa correlação. Sim há luz, espero apreciar a paisagem e escrever muito nas paredes rochosas. Abraços com afeto, 🙋🏽‍♀️

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  6. Algo me atrai, misterioso imã do qual não pretendo
    fugir, porque danações são o meu forte, e as esfoladuras
    nestas costas atestam isso: danações me condenam
    à ciência plena de tê-las e sobre elas jorrar uma série
    de truques com que burlar, como um peixe, a fisga
    de seu anzol, ou assim como um demente
    põe tento ao que ninguém vê, pelo que ninguém briga.

    Algo me chama, nem claro e nem escuro, apalpa minhas íris
    porque deve pensar que estou dormindo, mas o sonho
    não dorme, sua expressão é a de olho por dente, dente
    por olho, ciente de que sem caverna não haveria o que há,
    sem os sons da caverna: pauzinhos sendo friccionados
    para o fogo, o som dos morcegos, uma pequena linha d’água
    e de repente o alvoroço: o inimigo vem aí
    trazendo na cintura um mundo novo, talvez velho mundo.

    O que nos resta, senão aprender algo com os ímãs
    e com eles nos ajeitarmos de vez com o que nos afeta ?
    Há muitos caminhos e, como disse o poeta, “isso faz toda a diferença.”

    POEMA ESCRITO AGORA – DE UMA VEZ – ESPECIALMENTE PARA A MINHA AMIGA
    CRISTILEINE LEÃO.

    DARLAN M CUNHA
    (Belo Horizonte)

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  7. Vou comentar o que for lembrando, então já peço desculpas se ficar muito confuso.
    Sobre a questão do sentir, da apatia… será que nada te acalenta? Nada consegue fazer você sorrir? Nada te toca?
    Olhe bem, a própria irritação é um sinal que você não está totalmente apática.
    Esses questionamentos foram os mesmos que minha terapeuta fez, quando eu comecei a terapia e disse que nada fazia sentido.
    Sobre o medo, acho que sempre teremos o medo da dor e do aofrimento. Eu sempre tenho medo de uma crise.
    Mas como a Bia disse, você não é mais a mesma. Você já superou essa dor, você tem mais informação e mais conhecimento. Mesmo que a dor volte (e essa sempre será uma possibilidade, não sejamos ingenuas), você tem novas ‘armas’ para lutar contra ela.
    Sobre sono e rotina… meu psiquiatra sempre enfatiza essas questões e como mudanças nessas duas coisas afetam muito quem tem qualquer transtorno do humor. Então acho que seja normal que você ainda sinta os reflexos dessas mudanças.
    Sobre a insônia, já ouviu falar em higiene do sono? Eu tento fazer pra tentar dormir mais cedo (é, é algo que sempre tento melhorar).
    E não sei como é aí, mas tem também a melotonina. Nos EUA eu sei que é vendido livremente nas farmácias. Ajuda a dormir, mas por não ser um remédio controlado, não costuma dar efeitos colaterais (na verdade melatonina é nosso hormonio do sono, é o que diz que está na hora de dormir). Poderia ser um ultimo recurso, tem de várias dosagens, você poderia tentar a menor possivel…
    Como disse, um último recurso.

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    1. Essa troca de experiências faz pensar pontos inimagináveis por si só. Obrigada pelo comentário. A apatia não era só um reflexo do antidepressivo, mas também um mecanismo de defesa. Explico melhor, as fichas demoram para cair em mim… na de conflito, parece que sou a forte ou a fria, daí um tempo depois a queda. Entende? Essa é a primeira crise desde quando comecei o tratamento. De fato me sinto diferente, com mais armas para lutar. E como disse, também é a primeira vez que identifiquei “conscientemente” que estava indo para a caverna. O medo faz a gente lutar ainda mais para não entrar…Não sabia da melatonina nas farmácias, vou me informar. Retornei repor a vitamina D, à qual também é um fator desencadeante. Minha psicóloga chamou atenção para outro fator, como foi tirado um dos antidepressivos o corpo pode estar respondendo. Agora é ficar atenta nos sinais, sempre. Beijos Tati🙋🏽‍♀️

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      1. Verdade, acho que isso é o mais valioso dessas trocas.
        Sim, entendo.
        É, entendo o medo, o mecanismo de defesa por causa da identificação da crise.
        Mas veja pelo lado bom, agora você consegue identificar quando ela está chegando e consegue lutar.
        Já conheci algumas pessoas que tomam, então acho que pode ser uma alternativa válida.
        Sim, a vitamina D é muito importante também.
        Verdade, bem pontuado pela sua psicologa. Esses remédios demoram um pouco a fazer efeito e também a deixar de fazer efeito…
        Sim, ficar de olho, e seguir em frente.
        E estamos sempre por aqui, pra trocar experiências e nos fazer refletir sobre nossos próprios transtornos.
        Beijos :*

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