Na sala de espera do psiquiatra vejo um pescador na ponta do barco, a vara está afundada num profundo verde água, flores se disseminam rumo ao céu. São muitas e muitas, parecem chuva, o barco um guarda-chuva invertido, o pescador um enfeite minimalista naquela pintura.
Ao meu lado, paus secos retorcidos e entrelaçados, individuais e em rede, como o emaranhado do cérebro. Sozinhos são nada no mato, juntos num vaso brilhante dão vida para a decoração.
Pego uma revista, não leio nada, só vejo imagens e símbolos sem significados, não entendo nada nessa linguagem. Veio a aflição de ser analfabeta “não funcional” longe da sua pátria. Penso “pare já”, um dia eu hei de falar, então, flores caem em meus paus secos.
Começam chegar pessoas, uma delas visivelmente agoniada como eu na primeira vez que pisei naquele barco. Outra se escondendo na válvula de escape chamada smartphone. Mais um procurando bate-papo e eu desviando o olhar por não saber falar a língua.
Todos na espera daquela paisagem. “Senhora Leão vamos lá”, deixo a sala de espera, relato meus dias. Comece pelos pontos positivos ele insiste.
- Parabéns! A senhora progrediu muito esse mês. Está no caminho certo, siga assim.
Faltou ele cantar aquela *música que diz que é caminhando que se faz o caminho. Retruquei:
- Mas doutor, não é tão simples assim, estou em batalhas constantes. Tais progressos não são conquistas naturais, ainda sinto falta de sentido em muita coisa, vejo um mundo distorcido, e tenho que viver, seguir e acontecer. Cada dia remar sem saber para onde, como e para quê. Claro, agora sinto mais energia, ânimo e disposição, mas meus fantasmas continuam os mesmos.
- Bem-vinda ao mundo dos humanos senhora Leão, geralmente todos são assim. E quem sabe nas próximas consultas podemos falar em alemão.
Após um sorrisinho subentendido no rosto, nos despedimos em forma de desafio.
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