Reflexões, do nascimento à morte

Do nascimento

Há uma digamos “brincadeira” nas redes sociais de colocar sua foto de agora e de 10 anos atrás. É isso que vou fazer por aqui descrevendo imagens.

Há exatos 10 anos nascia minha filha, a qual segundo a primeira ultrassom seria menino, o Félix. Já na segunda ultrassom a médica disse que seria menina e mais:

– Vejo aqui que sua filha virá com problemas mãe.

– Como assim?

– Nesse exame de translucência nucal o acúmulo de fluído significa que…

– Que o quê doutora? Minha filha virá com a síndrome de down, é isso?

– Mãe, pode ser a síndrome como pode ser qualquer outro problema congênito.

Despenquei num abismo imensurável. As informações passaram na minha cabeça como um flash. Como eu já fui cuidadora de uma jovem com down, pensei: eles são muito amáveis, mas ela morreu jovem demais. Mas não é down. Será no cérebro? As pernas virão tortas como as minhas?

Mãe, mãe, você está me ouvindo? Amanhã terá que fazer exames mais específicos no laboratório especializado. Não se desespere, vamos ver o resultado mais preciso e…

No outro dia, no Instituto.

  • Está tudo bem, confie, o líquido está dentro dos parâmetros normais, vai ser uma menina mesmo, pode sair para comemorar.

Isso tudo foi em Curitiba/PR, com a mesma médica que tive meu primeiro filho num parto normal maravilhoso, sai da sala cirúrgica falando para minha mãe que queria outro.

No meio da gravidez, veio outra transferência de trabalho do marido do Paraná para São Paulo.

Grávida, com outra criança de um ano e meio, procurando casa num território desconhecido, dirigindo sendo (é) muito barbeira. Novo obstetra, hospital para o parto. Caixas e mais caixas da mudança, enxoval (nem rosa e nem azul, amarelo).

Perto de chegar o dia previsto para o nascimento, minha mãe veio para me ajudar, escorregou e quebrou o pé, foi embora de ambulância para fazer cirurgia, e chega.

Nenhum desses eventos (garanto que estou resumindo porque aconteceram muito mais), nenhum eu disse, tirava a voz daquela médica das minhas entranhas.

Contrações, o obstetra viajando, a médica plantonista disse que o cordão estava no pescoço, dor muita dor, a anestesia não pegou em nenhuma das tentativas.

Enfim, minha filha nasceu de parto normal, depois fomos saber que era o segundo parto normal do então recém inaugurado hospital. Havia muita gente na sala assistindo o parto, “esqueceram de chamar meu marido”. Não temos nenhum registro fotográfico do momento.

Assim chegou ao meu colo a professora do amor. Ela chorou 8 meses de dia e de noite (também pudera), fizemos todo e qualquer tipo de exame para descobrir o motivo. Tudo normal. Tudo normal, tudo normal, oras bolas, só analisam o biológico.

Nesse ínterim pude confrontar com a minha pequenez, veja bem, o chão saiu dos meus pés quando tive aquele diagnóstico.

Mas, e se fosse? Deixaria de ser minha filha? Deixaria de amá-la?

Me coloquei na pele dos pais que passam por isso. É uma vida de dedicação, de afeto a ser desenvolvido, de mudanças nas relações familiares, de luta para o reconhecimento, tratamento e inclusão social.

Fui mais longe no refletir, tudo bem e agora, você tem uma filha que se enquadra no que a sociedade chama de saudável. Quem te garante que tudo será sempre assim?

Gelo na barriga.

Da morte

Há filhos que nos parte por diversos motivos (em vida e em morte) doenças, acidentes, herança, desavenças, drogas, violência. Há filhos que escolhem partir. Nem tudo está ao nosso alcance.

Sempre achei essa a pior dor do mundo, onde uma parte da gente morre também. Só que o que morre renasce de uma forma ou outra, vide as flores com suas sementes, mães que ficam precisam parir de novo, dessa vez parir a luz que seus filhos deixaram.

Certo dia escutei um depoimento de uma mãe de um presidiário, ela disse que preferia ver o seu filho no caixão do que saber que ele tirou a vida de alguém, de que tem uma família inteira sofrendo por causa dele.

Essa frase nunca saiu da minha cabeça. Pensei, isso é uma questão de respeito, ética e amor ao próximo, essa mulher não via apenas a sua cria. Não é fácil ter esse desprendimento.

Lutar contra a perda, lutar contra a crueldade, lutar contra os preconceitos, lutar para aumentar a consciência. A vida é luta.

Assim formamos nosso embrião na Terra, assim deixamos nossos “gestos” mortais na Terra.

 

 

29 comentários

  1. Lutas e lutas! Parabéns! São vencedoras! Eu tive pré-eclâmpsia do primeiro filho. Nem vou descrever. Terrível! Apenas me senti como uma mãe em recuperação, como crianças em fase escolar, tendo que aguardar o filho ficar pronto para ir para casa…

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    1. Nossa Alda, minha mãe teve do meu irmão mais velho. Minha avó teve que assinar um termo que ela e a criança corriam risco. Cresci escutando isso. Imagino o que você passou. Depois eu vim. Imagino o medo no segundo filho também. Está aí, se estamos aqui, temos que insistir, o universo conta conosco. Abraços e boa semana.

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  2. Cristileine… certa vez minha esposa chegou aos prantos no meu trabalho. O resultado do ultrassom havia indicado que ela estava com um “mioma” e a médica lhe disse que precisaria de ser operada urgente. Ela chorava copiosamente. Olhei para o pontinho branco da chapa e disse sorrindo para ela: Eu vou matar esta médica irresponsável… não vê que é uma menina linda?! Minha esposa falou que estava doido na época. No ano passado a “menina linda” completou 29 aninhos e eu contei esta história para ela. Com a voz jocosa simplesmente falou: Anéinnn…. tudo que eu precisava saber era que já fui um “mioma”. Ninguém merece! kkkkkkkkkk A lição que tiro desta história é que não devemos acreditar em tudo o que os médicos dizem de imediato… as coisas podem ser diferentes como foi para você! Beijo no coração e obrigado por compartilhar suas experiências!

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    1. Bom rir disso tudo agora… Foi muito bom escrever, deu um alívio, muita coisa vamos levando no peito… Eita que visão eh! Quem está no fervo não consegue enxergar muito. Você tem razão, não dá para sair confiando no primeiro diagnóstico. Médicos são excelentes mas o bom senso também. Abraços e ótima semana.

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    1. Nasci com o fêmur desenvolvendo para dentro, foram feitas 4 cirurgias para correção. Têm alguns relatos por aqui, e um poema que se não me engano chama “Pés Tortos” ou curupira, rsrs, não lembro. Nada do que passei se compara à depressão. Lutas existem para todos, mas, perder o sentido/gosto da vida é horrível…

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  3. Os relatos de todos vocês, só me dão ânimo, para encarar as tantas vezes que Emmanuel acorda nas madrugadas… sou matutino e acordar na madrugada para mim é complicado. Sofia também acordava muito nas madrugadas… ainda bem que os sons de útero disponíveis no youtube ajudam Emmanuel sentir-se no útero da mamãe… nossa melhor e perfeita casa (parafraseando Freud). Fico a imaginar minha mãe que teve eclâmpsia quando eu nasci e de mais dois de meus cinco irmãos. Bela descrição Cris…

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    1. Som do útero, essa é nova pra mim, vou procurar, certamente é recomendado para adultos também, risos. Estevam, essa fase de adaptação à vida “do” e “ao” bebê não é fácil para ninguém, mas isso poucos falam… Mas, é uma fase, como as outras que virão. Depois podemos rir, chorar, ou escrever delas. Boa semana.

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  4. Permita que lhe diga…
    A sua foto apresenta traços mais maduros e vincados do que á 10 anos atrás!!
    Gostei de ler a sua história e pelo retrato vê-se que é uma lutadora , com muitas emoções na bagagem que vai acrescentando à sua viagem. Parabéns!

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    1. Quando passa e conseguimos olhar para trás sem julgamentos, pois, na época fizemos tudo o que pudemos, aí dá para se pensar: valeu cada minuto! Hoje instrumentos de reflexão, desenvolvimento e troca. Agradeço por saber sua visão dessa passagem. Forte abraço 🙋🏽‍♀️

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  5. É amiga, são tantas coisas que as vezes parece-nos que o sofrimento é mais presente que a felicidade,mas que na verdade não. Nascemos fortes, e muitas vezes perdemos as forças quando perdemos o sentido maior, viver. Dor e alegria assim como distração e foco são coisas opostas e presentes em um mesmo Ser e em uma mesma fração do tempo. Bom é saber que o Sol sempre vai renascer de resto deixamos o barco correr. 😉

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    1. “Nascemos forte”, um bebê, uma criança parecem tão frágeis né. Pensando bem, através do seu comentário, conclui que é com e através deles que buscamos a fortaleza. A maior parte de nossa saudade mora lá. Abraços Kambami.

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  6. Oi, Cris!
    Nossa! Ainda bem que tudo passa… E as experiencias ficam apuradas ao ponto de contarmos com o crescimento espiritual que acumulamos…
    Depois que passa, tudo fica mas aliviado mesmo tendo que reviver,né?
    Vejo o quanto você é especial!
    Eu adoro você!
    Grande Beijo.

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  7. Lindo texto e muito legal saber da sua história.
    Apesar de não ser mãe (e nem querer ser), consigo entender o seu medo. Mas essa questão de diagnóstico, exames, médicos é sempre muito complicada. E imagino como seja ainda pior na gravidez, envolvendo um filho.
    Enfim, os momentos passam, e fico feliz que tenha se sentido mais aliviada depois de escrever sobre o assunto.
    Bjos 😘

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    1. Parece que faltava escrever para eu resolver essa história, risos. Escrever é muito bom, seja para resolver questões pendentes, soltar a imaginação ou trocar informações (como vc disse que estava fazendo no insta sobre maquiagem). Então volta. Já ouviu uma música da Zélia Duncan – “Faça o que é bom” ? Acho que vai gostar. Bjsssss

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      1. Entendo, escrever é muito bom e ajuda bastante mesmo!
        Estou tentando voltar aos poucos.
        De cabeça não me lembro de ter ouvido, vou procurar sim!
        Obrigada!
        Bjos 😘

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