
E, quando eu estava escrevendo aquela resenha, descobri que, se fosse resenhar livros, ia ter de combater um certo fantasma.
E o fantasma era uma mulher, e quando a conheci melhor, dei a ela o nome da heroína de um famoso poema, “O Anjo do Lar”.
Era ela que costumava aparecer entre mim e o papel enquanto eu fazia as resenhas. Era ela que me incomodava, tomava meu tempo e me atormentava tanto que no fim matei essa mulher.
(…) Ela era extremamente simpática. Imensamente encantadora. Totalmente altruísta. Excelente nas difíceis artes do convívio familiar. Sacrificava-se todos os dias.
Se o almoço era frango, ela ficava com o pé; se havia ar encanado, era ali que ia se sentar – em suma, seu feitio era nunca ter opinião ou vontade própria, e preferia sempre concordar com as opiniões e vontades dos outros.
E acima de tudo – nem preciso dizer – ela era pura. Sua pureza era tida como sua maior beleza – enrubescer era seu grande encanto.
(…) E, quando fui escrever, topei com ela já nas primeiras palavras. Suas asas fizeram sombra na página; ouvi o farfalhar de suas saias no quarto.
Quer dizer, na hora em que peguei a caneta para resenhar aquele romance de um homem famoso, ela logo apareceu atrás de mim e sussurrou: “Querida, você é uma moça. Está escrevendo sobre um livro que foi escrito por um homem. Seja afável; seja meiga; lisonjeie; engane; use todas as artes e manhas de nosso sexo. Nunca deixe ninguém perceber que você tem opinião própria.“
(…) Fui para cima dela e agarrei-a pela garganta. Fiz de tudo para esganá-la.
Minha desculpa, se tivesse de comparecer a um tribunal, seria legítima defesa. Se eu não a matasse, ela é que me mataria.
Arrancaria o coração da minha escrita.
Virginia Woolf, 1931, no livro Profissões para Mulheres e outros Artigos Feministas.

No texto acima a escritora britânica Virginia Woolf (1882-1941) descreveu o que precisou matar em si para se tornar verdadeiramente quem era.
Características do Anjo do Lar
- Engolidor de tempo
- Exige sacrifício além do necessário
- Induz-nos aceitar menos do que merecemos
- Não nos permite manifestar os nossos desejos
- Faz da vontade dos outros a nossa própria identidade
- Sabota nossos dons
- Usa artimanhas para se esconder
Detalhe: O Anjo do Lar não é uma entidade física ou extracorpórea, mas sim nossa própria sombra que não queremos encarar, nossos sofrimentos e verdades que resolvemos disfarçar, nossas competências que resolvemos terceirizar, nossas fantasias que as permitimos nos ludibriar.
Em nosso lar mora um anjo que clama por cuidados, que pede para que alguém o coloque no seu devido lugar, para que saibamos nos posicionar, antes que ele nos estrangule…

Já matei muito anjo sombrio em mim, mas, muitos ainda insistem em me assombrar.
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Quando li sua mensagem, lembrei das crianças pequenas que quando brincam de nos dar um susto racham de rir… talvez assim devemos agir. Às vezes pintamos os fantasmas com cores que não merecem.
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Apesar de não acreditar em anjos e fantasmas, sei que eles existem… Rsrsrsrsrs
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Risos… a forma na maioria das vezes é etérea.
Abraços e bom fim de semana.
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🌹
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