Picadas na veia

Chegamos no meio do ano! Junho já está findando, mês que recebe cores e laços vermelhos para o incentivar a doação de sangue.

Pessoalmente tenho forte histórico com a doação de sangue, quando criança por causa de uma cirurgia, recebi esse líquido precioso. Na ocasião, vi a mobilização de meus pais, familiares e amigos para doarem. Aquilo me marcou!

Logo na maioridade, com orgulho, entrei para o time dos doadores, de tempos em tempos sempre doava seja aqui no Brasil, ou na Alemanha onde morei alguns anos.

Lá era até cômico porque eu entendia menos da metade do que era falado na entrevista médica, mas, seguia… traduzindo os intermináveis documentos burocráticos, observando o comportamento dos outros doadores, explicando que eu era estrangeira e doadora no meu país de origem.  As primeiras vezes foram mais complicadas, contudo, sempre fui bem tratada, o que eliminava as barreiras.

Nesse meio tempo, no exterior, a minha filha caçula desenvolveu um verdadeiro pânico de seringas, o que a fez recusar algumas vacinas do calendário obrigatório de imunizações. Isso nos deixou em estado de alerta vermelho, especialmente na época do auge do Covid, pois, sem vacinas não podíamos visitar nossos familiares no Brasil, mas essa é uma outra história… isso também me marcou!

Eu sei que esse fato nos levou para o divã e o problema veio a solucionar com a nossa volta para o Brasil. Quando, de repente, pasmem, ela mesma decidiu atualizar a caderneta de vacinação e assim foi feito. Que alívio!

Mas o que tem haver esse mundo de histórias juntas? Explico.

Desde que voltamos pra cá eu ainda não havia doado sangue, não por falta de vontade, mas, por voltar com a ferritina desregulada, tonturas frequentes e outros sintomas. Um belo dia minha filha chega da escola dizendo que queria doar sangue, mas dependia de minha autorização porque tem 16 anos. Fiquei boquiaberta!

Esse era um cenário que nunca imaginaria, por já ter visto os olhos de horror dela diante de uma seringa; lembrei dos anos de tratamento do medo de agulhas sem resultados; dos nossos choros silenciosos diante daquela situação, enfim, em segundos passou um filme na cabeça, logo voltei na realidade, coloquei a apreensão no lugar e respondi: claro pode agendar.

Reservei para mim também, idealizei  aquele momento, estava repleta de gratidão e felicidade por voltar a ser uma doadora de sangue ativa, ainda mais ao lado da filha.

Passamos pela primeira etapa da triagem, a revisão documental; pela segunda, de análise de pressão arterial, medição de oxigênio e demais exames; na terceira etapa, reprovamos na entrevista médica.

Motivo: “vocês moraram mais de 5 anos na Europa, lá foi palco da Doença da Vaca Louca, por isso, estão permanentemente proibidas de doar sangue no Brasil.”

Imaginem o choque que eu tive. Repeti: Permanentemente? Responderam: ou até que as regras mudem, o que acho pouco provável.

Fiquei sem reação, sem ter o que dizer, sem saber o que pensar, enquanto isso, a médica pegou o regulamento e lia as cláusulas de exclusões para os doadores de sangue. Falava dos problemas de ingerir carne contaminada, etc. As vozes, os sonhos, a realidade foi ficando tudo distante.

A Vaca Louca, também conhecida como encefalopatia espongiforme bovina (EEB), é uma doença neurodegenerativa fatal que afeta bovinos. A qual surgiu em 1986 no Reino Unido. Até então, eu nunca tinha ouvido falar desse assunto na Alemanha. A Vaca Louca tirava-me a possibilidade de continuar sendo doadora de sangue, e a de que meus filhos pudessem dar a continuidade desse ato também.

Viemos embora decepcionadas por um lado, por outro satisfeitas por perceber o cuidado que o Hemocentro tem com os sangues.

Olhando para essa história toda notei o tamanho da transfusão que aconteceu na minha vida desde o momento que resolvi doar (e não estou falando só de sangue), até chegar neste momento quando a vida diz: você não pode doar mais!

Já parou para pensar nessas metáforas? Em quando a vida diz, até aqui você vai, agora você pára. 

Quais as picadas na veia que te marcaram?

Essa não é só uma reflexão sobre dar e receber, mas também sobre limitações,  sobre influências ambientais e culturais, e principalmente sobre saber o que corre nas nossas veias, de geração em geração, pois, é essa seiva que vai influenciar os ductos da Terra.

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