Abandonar o jornalismo, que me dava autonomia financeira e reconhecimento profissional. Algo jamais experimentado na vida antes. Estar ciente que esse mesmo jornalismo roubou a arte poética, livre e profunda deu escrever. Por seu caráter crítico, factual, comercial, por seus prazos estreitos.
Certa vez escutei de um editor em um jornal de grande circulação: “A fonte é problema seu, se não tem, invente”, duas semanas depois fui internada com pedras no rim. Por essas e outras, desinteressei completamente por assinar reportagens, me dediquei a ser pauteira, fazer parte da legião de trabalhadores que fazem a engrenagem funcionar, por detrás das câmeras, ainda que com menor salário e pouco reconhecimento. Só no anonimato da pauta, lá na produção de conteúdo, pude ter mais sucesso e respiração. Pude escutar mais as pessoas, pesquisar, investigar, descobrir.
Esclarecendo os jargões:
“fonte” em jornalismo é a pessoa, ou fato, que dá veracidade à informação, é o informante, inventá-la é como criar um personagem fictício, pra mim isso é antiético.
“Pauteiro” é o profissional que fica por traz da reportagem busca, colhe e planta informações para o repórter.
Desde a faculdade sabia que não era o jornalismo que eu queria, no entanto, escutei as amigas que me falavam “vai segue, você não tem outro caminho, você ganhou a bolsa de estudos, tenha gratidão”. Tive!
Depois, abandonar o jornalismo já formada e atuante, para casar e seguir os passos do marido mundo a fora, foi uma decisão árdua.
Assumir a posição de dona de casa, mãe, esposa e receber o título de madame. Ser reconhecida agora como a mulher do fulano, dependente, a que casou com o bem sucedido e não trabalha mais, em suma a interesseira, a folgada…Aff
Ter prazer em cozinhar marmitas para os filhos levarem para escola, poder acompanhar o crescimento deles no vai e vem do trêm. Limpar o chão, às vidraças, os banheiros com um headphone escutando meus programas favoritos pelo YouTube, sempre é tempo de aprender. Buscar flores para enfeitar a mesa, ainda que ninguém as vejam, admirar o trabalho feito. Muita satisfação!
Ser expatriada, trocar fuso horário, alimentação, relações, linguagem. Conviver com as constantes viagens do marido, alguém tem que pagar as contas, alimentar as crianças e o governo insaciável. A família paga o preço do sucesso (ou do fracasso) nessa vida moderna.
Tentar fazer novas amizades, mesmo mudando de cidade a cada dois anos, agora de país. Sem tempo de formar novos vínculos, sem ter os antigos vínculos por perto…
Me sinto uma sombra, a sombra dele, isso às vezes me perturba, tento pensar que sou a sombra de uma árvore que acolhe e dá alento.
Querer se envolver num trabalho voluntário, mas não saber se expressar direito com as pessoas, se sentir incapacitada por isso. Sem palavras, sem ação, vazia, frívola.
Assumir os cabelos brancos antes dos 40, ainda que todos dizendo você envelhece assim. Encontrar sempre a mesma senhora no trajeto do ônibus e perceber que ela também parou de pintar os cabelos. Se sentir bem por isso. Trocar sorrisos mútuos. A gente influência e é influenciado a todo momento.
Explicar sem palavras para suas amigas e família que você os ama, mas que precisa ficar sozinha. Que não tem jeitinho com as coisas, que a doçura muitas vezes não saí, sou mais Fera que Bela.
Ganhar fama de rabugenta e se sentir feliz por isso. Ser realista e ser confundida com pessimista. Não saber se maquiar. Gostar sim de escutar música depre e assistir drama, isso faz sentido pra mim. Por que não?
Ir agora procurar se o “porque” se escreve junto ou separado. Como assim jornalistas sabem de tudo não é? Não, não é. Sou desligada, isso eu sei, e em muitos assuntos desinformada. Vexame para o jornalismo, déficit de atenção? Talvez falta de base sólida na educação primária.
Morar num país e estudar a língua de outro. Preciso ir em reuniões da escola das crianças, médicos, ter contatos com os outros pais.
Tenho que falar, não tenho voz. Cadê eu nisso tudo, cadê? Tem noção como a linguagem domina a vida da gente? Por isso que dizem que conhecimento é poder. Queria saber mais da língua falada aqui nesse lugar para entender mais da cultura e do povo. Me sinto vendida igual quando eu trabalhava na assessoria de imprensa de uma Câmara de Vereadores, ganhava super bem, pagavam meu silêncio.
Não saber se comportar em alguns ambientes sociais por não gostar daquelas regras, convenções e modismos. Achar que o sistema educacional é libertador e opressor, o que os distingue é a autonomia e condução dos mesmo. Hoje a maioria é opressor.
Conhecer diversos países, ser grata por isso, inimagináveis belezas e história viva, mas achar que tudo isso é ilusão…
Aconchego tenho na casa da minha mãe, numa cidade de cinco mil habitantes, não só pelo colo, pelas raízes, como também pelos princípios que nasceram ali.
Lá eu também era essa garota introvertida, que preferia a biblioteca, os pássaros cantando e o cheiro do eucalipto. Adorava brincar de cinco marias e um bonecão de plástico. Naquela época não tinha tanto games, eletrônicos e turismo. Ainda que tivessem meus pais não tinham condições financeiras para isso. Sorte deles que não foram contaminados pela indústria do entretenimento. Que tira o homem da essência de si. Continue pescando pai, aí também mora a sabedoria.
Com essa história toda, descobri em mim a persistência, resta desenvolver a resiliência. Você consegue perceber que para a depressão não tem tempo e nem lugar, não depende das suas poses, estudos, vontade, caráter?
Note que: sim depressivos tem vida, escolhas e consequências, como qualquer um.
Nossa essa história não tem fim, vivências de 08 e 80…estou com insônia, boa noite.
Nossa muito bom …. a mais pura visão realista da coisa. Como mulher ser tudo,fazer tudo, assumir o contexto e enfim receber o titulo do nada ser.👏👏👏👏👏
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A vida é ensaio.
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