Deitado ali beirando o chão
naquele cubículo
que nem merecia ter teto
abri a janela e vi o rio
seria lindo se fosse puro
por ele corria lixo
e cheiro podre.
Sempre me perguntei
porque merecia esse teto
Abri os olhos
pensei… mais um dia aqui
No casebre?
Não minha senhora
dentro do meu corpo.
A primeira coisa que me visitava
depois da madrugada era a amargura
não digo a de coração, pois,
tento ser feliz toda vida.
Falo da amargura deixada
pela embriaguez,
tudo reflexo
desse não entender o que é a vida.
A segunda coisa que me visitava
era cinza, veloz, audaz
finjo não vê-la
talvez por medo
de encontrar nela
minha única companhia.
Sento na cama
vejo minhas unhas do pé encardida.
Levanto tentando assustar tal visitante.
Me assusto comigo todo dia
nesse pedaço de espelho quebrado
que às vezes me fura os dedos.
Mais um amanhecer sem café,
sem esperança,
sem ninguém fitar meus olhos.
Tento ser positivo
minha vó me ensinou.
Limpei as unhas dela
quando ela foi morar no céu.
Eu podia ter feito isso
outras vezes antes…
“Vai trabalhar vagabundo”
parece refrão da torcida do Flamengo.
Troco a comida por pinga
não que a cachaça me alimente
mas ela me faz esquecer
de tudo isso aqui
meu corpo, minhas vestes
minha casa, minhas preces.
Não tive filhos
ninguém para pegar na minha mão
muito menos cuidar da minha unha.
Ninguém merece herdar miséria.
Trepei muito isso sim é positividade
mas sempre me protegi dos filhos.
Protegi de um pedaço de mim
nessa terra…
Isso foi triste, estou velho
quase cego, sem vitalidade.
O único visitante que aparece aqui
tem rabo longo, olhos vivos, nariz aguçado.
É todo cinza claro esse rato atrevido
que tenta roubar meu pão.
Voltei, o vagabundo estava trabalhando.
O dia foi diferente e cansativo,
vendi dez vezes mais que o normal
de jornais hoje.
Era society desesperada
para saber da crise
isso me rendeu boas economias.
Me dei o luxo de até voltar de trem,
economizei chinelo.
Porém, o que mais mudou meu dia
é que sentados ao meu lado tinha
uma mãe com duas filhas.
Nunca me atrevo a olhar pra ninguém
pessoas se apovoram comigo
abaixei a cabeça, devorei meu lanche.
Naquele jogo de não te conheço
somos devorados pelas diferenças… indiferentes.
Hora de descer, saio sem olhar pra trás
sinto meu braço tocado, uhhh
Será que agora tem rato no trem também?
Viro pra trás,
a senhora me olha nos olhos e diz
“Suas moedas senhor”,
e apontou para poltrona.
Aquilo brilhava mais que ouro
não falo das moedas
falo da atitude.
Ela me tocou
acreditem, ela me olhou.
Recolho as moedas
Tento dar algumas pras crianças,
elas não aceitam
num misto de receio e noção
de que eu preciso mais que elas.
Hoje tive tudo o que mais preciso
alguém me viu…
E com essa visão debaixo da ponte, Clodoaldo dormiu sem esperar pelo rato.
Palavras que são uma lente de aumento para aquilo que é invisível aos olhos viciados em indiferença.
A vida comparada a outras vidas, me parece que não traz respostas, senão, mais perguntas… mas tocar o intocável é um caminho viável para o possível sentido da vida… o olhar que vê na cegueira coletiva, é uma pérola que sofreu para abrir-se e pertencer ao mundo… mas encontrou seu lugar por brilhar a sua própria natureza…
Parabéns pela poesia!
Viva o olhar que Vê!
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Viva!
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amoooooo, continua escrevendo vou ficar aqui acompanhando, parabéns dê uma olhada no meu
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