Papo de mãe – tartaruga.

Essa semana fui na apresentação que marca a transição do primário para o secundário do meu filho na escola. Para esclarecer melhor, ele vai para o sexto ano, que aqui na Alemanha se caracteriza como fosse o quinto ano no Brasil da época que estudei. Ou seja, ele terá rotatividade de matérias e professores. Aqui os primeiros cinco anos são denominados primário, e os outros sete como secundário.

Para meu filho, que ficou preparando aquela apresentação por mais de um mês, parecia que estava diante de uma banca examinadora de TCC. Estava num misto de nervoso, ansiedade e expectativa. Ele era a tartaruga que comia plástico e passava mal no grupo da “poluição marinha”.

Nesse dia todos os pais do quinto ano foram convidados para assistirem as apresentações. Cada sala foi preparada com uma temática. As famílias foram divididas em equipes para que cada sala tivesse público em horários pré determinados. Meu grupo participou das apresentações sobre poluição marinha, racismo, roupas que viram lixo, desertificação e zoológicos.

Foi a primeira vez que vi minha tartaruga falando inglês em público. Fiquei muito feliz por isso, e ainda mais por entender o que a turminha falava. Risos.

Enfim, colho os frutos desses anos longe do Brasil, muito estudo, trabalho, depressão e tratamento. Se eu não tivesse cuidado de mim, não sei se estaria lá. Certamente estaria escondida na proteção das cobertas. Mas, hoje percebo que essa luta está valendo a pena. Vejo tartarugas abrindo caminho rumo o mar…

Agora falarei um pouco sobre o que aprendi e relembrei em cada exibição que visitei.

Poluição marinha: Com a atual capacidade de produzir plástico barato, material que leva até 500 anos para se degradar, nosso planeta está ficando literalmente entupido. Um exemplo é a Ilha do Lixo, uma área no meio do oceano Pacífico, duas vezes maior que o estado do Texas/EUA, composta na maioria por plástico. Na sala de aula havia muitas garrafas Pet no chão, dificultando a passagem. Foi desenvolvido um jogo no Scratch para a conscientização. Figuras de animais mortos ou atingidos pela poluição marinha passavam na lousa enquanto os estudantes se apresentavam.

Racismo: essa turma fez uma pesquisa com as crianças do primeiro ao quarto ano daquela escola (7 a 10 anos), descobriram que mais de 70% delas não sabiam o que era racismo. O que pode ser bom ou ruim. Bom se realmente for só a pureza de criança. Ruim se isso já estiver enraizado… Questionado pelos pais, a turminha disse que vão fazer a apresentação para informar e alertar o primário.

Lixões de roupas: Para onde vai a roupa que você descarta? O que acontece com as roupas que ninguém mais quer? Quem paga o preço das roupas baratas que compramos? Onde ficam as áreas de produção da maioria das roupas “de marca”? Essas e outras questões foram investigadas por essa equipe. Destacaram como as incinerações de roupas polui o ar. A importância da reutilização e de saber a procedência das roupas que usamos.

Desertificação: Aqui foi falado sobre as mudanças climáticas e aumento da desertificação no mundo. O manejo inadequado da agricultura que causa o empobrecimento do solo. O desmatamento. Lembrando que a seca é um fator climático, mas a desertificação é uma produção humana.

Zoológicos: A equipe pesquisou sobre o direito dos animais. Se é lícito ou não manter os animais em cativeiro. Quais as vantagens e desvantagens dos zoológicos, além do entretenimento humano. Os pais votavam se prefeririam morar num zoológico ou num safári (ambiente natural).

Como percebem são temas polêmicos que nos exigem posicionamento, nos quais todos estamos envolvidos. Além de apresentar as causas, as crianças tinham que sugerir as possíveis soluções.

O que mais achei interessante é que o debate não ficou só na sala de aula. Toda a comunidade escolar foi envolvida. Cada equipe tinha um professor mentor além do professor de classe. Não foi só um evento para reunião, mas também para reflexão.

As crianças comemoraram num misto de alívio e glória no término da apresentação. Os pais tiveram oportunidade de vivenciar os aprendizados dos filhos.

Foi ótimo!

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17 comentários

    1. Esses digamos rituais de passagens nos marcam muito. Antes eu estava marcada só como filha, agora como mãe. Escrevendo para você pensei em como será ser marcada como vó. Nesses acontecimentos a vida vai tomando sentido e a gente ficando em pé. Abraços e bom domingo 🙋🏽‍♀️

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  1. Muito interessante a escola desenvolver esses temas para que os alunos aprendam a debater sobre essas questões. Afinal, ninguém quer que o atual rumo perpetue para sempre.

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    1. Oi Pedro, também achei por isso quis dividir essa ideia. Foi um debate que se extendeu além da sala de aula e envolveu todos.

      O rumo da educação é de fato preocupante. Hoje ela é usada tanto como instrumento de libertação quanto de separação de classes. Ou melhor, quem pode pagar sai na frente. O que pouco adianta enquanto a maioria for oprimida, ignorante e ignorada. O reflexo sempre vem pra todos, afinal moramos no mesmo mundo.

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      1. Sim, concordo. Debates assim abre a cabeça da criança, fazendo com que desde pequena saiba que existe problemas e pensamentos diferentes para resolvê-los. Muito triste saber que jovens e adultos estão com um pensamento fechado e intolerante. Talvez faltou eles desenvolverem desde cedo o respeito e o diálogo entre os colegas.

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  2. Esses debates em sala de aula são muito importantes, pois além de crescermos conscientes desses problemas, podemos juntos com os colegas desenvolver nossas primeiras opiniões. Bom domingo! Gosto muito de suas poesias, porque refletem meus problemas. Não é fácil ter depressão e ansiedade. Mas quando vejo que é possível lutar, tenho um ânimo maior. Seguimos lutando!

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  3. Que bom poder vivenciar o crescimento dos filhos, né? Melhor ainda se são orientados por uma escola que ensina o que os pais também acreditam que se deve ensinar. Eu me emociono sempre. Amei❤️😘

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