Entre Terra e Mar,
exposição no
Museu das Culturas do Mundo em Frankfurt (Weltkulturen Museum) de 12.10.2017 à 26.08.2018,
feita pelos artistas Ayrson Heráclito, de Salvador Bahia, Rigo 23 de Madeira, Portugal.
Voltando, essa exposição apresenta a arte, a cultura e a religião do Brasil apresentada pelo lado antropológico. O foco principal gira em torno da escravidão e da questão indígena.
Aqui na Europa escutei o grito dos excluídos que é muito abafado dentro do próprio Brasil. Através de fotos, vídeos, tapeçaria, cestaria, artesanato, objetos de colecionadores, desenhos, músicas e outras intervenções, os artistas falam o que por vezes não queremos ouvir.
Agora que apresentei uma panorâmica do ambiente, vamos para as perceções práticas.
Bem, cheguei lá e fui surpreendida com a pergunta “Mas a senhora sabe do que se trata a exposição?”. Essa me pegou de surpresa, em nenhum museu que visitei até hoje tive esse questionamento. “Claro que sim, sou brasileira”… peguei o material explicativo e lá fui eu.
O museu é pequeno, ainda assim fiquei umas duas horas tentando assimilar cada detalhe, escutei todos os vídeos que consegui, remexi nos livros e tentei analisar os gráficos.
A vídeo instalação que mais mexeu comigo foi a Transmutação da carne, performance realizada em 2015 no Brasil por Ayrson Heráclito. Nela pessoas vestem blusas feita de carne de charque, as quais são marcadas com ferro quente em brasa, relembrando as experiências reais que os escravos sentiam na pele.
Sabe quando você sente um nó na garganta, e se lembra que você faz parte dessa humanidade…pois é, foi o que senti.
Abaixo partes da fala que consegui anotar:
Marcar a ferro. O cheiro, a cor, a carne, a brasa. Experiência que a literatura e a história não ensina. Estar presente na carne de charque, gordura, fogo, fumaça e cheiro de carne no ar. Holocausto escravidão.
Dor ferida a marca da escravidão negra no mundo. Viver esse processo convida pessoas à despertar memórias antigas. Som carne assando
Combustão. Ferida que tem que ser transmutada pela arte e não esquecida.
Nesse tempo que passei por lá, tinham poucos visitantes, um casal que sentou ao meu lado para ver o vídeo da preparação da feijoada, olhavam para mim e sorria, não sei se de alegria ou de estranheza.
Feijão não é uma comida comum por aqui, mas acredito que os sorrisos sem graça foi por causa das carnes e cartilagens gordurosas.
Para quem não sabe, a feijoada é um prato inventado pelos escravos que pegavam as sobras de carne que o senhorio não queria e as preparavam com iguarias. Hoje é um prato típico brasileiro apreciado de norte a sul. Na minha região, interior do estado de São Paulo, o feijão usado para a feijoada é o preto, nessa daqui foi o marrom.
A religião candomblé também foi um destaque da programação. Lembrei de uma leitora minha, a blogueira Rita Cidreira, que sempre me manda um Axé. As representações foram através das mães de santo da Bahia, os orixás, as oferendas, e tudo mais.
Conhecia pouco, ou quase nada, do candomblé. Todos bem sabemos que é uma religião cercada de preconceito da qual pouco se fala. Essa foi uma boa oportunidade para eu compreender mais do que pensam, incentivam e buscam, que se resume, como noutras religiões, em se ter paz, respeito uns aos outros, à natureza e a Deus. É uma religião monoteísta, de origem africana, que acredita em vida após a morte.
Meu avô materno era negro, minha vó baiana, mas para mim foram só passados ideais do cristianismo. Meu avô paterno era espanhol, minha vó portuguesa. Ele chegou no Brasil de navio fugindo da pobreza e da perseguição que sua família passava na Espanha. Depois deu levantar sua história, desconfio até que eram judeus. Do navio saído de Gilbratar, eles vieram parar no porto de Santos, onde já havia um fazendeiro, da região de Bebedouro SP, esperando por eles.
Imigrantes… foram as novas mãos de obra barata, que substituram os escravos, na construção do Brasil.
Mas, antes dos escravos, dos imigrantes, e da história que nos contam do descobrimento, viviam em terras brasileiras os índios, que lutam contra a exterminação. Esse foi o tom da mostra.
Índios pedindo a demarcação territorial, pedindo respeito à cultura, as tradições e sobretudo à língua. Índios adorando o mar e a floresta com pensamentos voltados para o divino.
Entre as entrelinhas observei: índios agora só com roupa, índios cantando sertanejo e rap, índios ficando obeso, índios que não desgrudam do celular.
Basílio da Silveira, cacique da aldeia Pindoty, em Pariquera-açu SP.
Abaixo partes das falas que consegui anotar:
Para os brancos o tempo e o lucro é muito importante, para nós a natureza. Passaram 515 anos, vários povos indígenas diferentes sumiram. Os Guaranis hoje são apenas três aldeias que conseguiram sobreviver. O povo em São Paulo fala que não tem mais índio, mas conseguimos manter com muito cuidado e luta nossa cultura e nossa língua. Temos fé que o jovens seguirão com isso. Na nossa aldeia não falamos em português. Essa é a nossa riqueza: respeitar natureza principalmente o mar, brancos destroem tudo da natureza até hoje.
Bom, por hoje é só, mas tenho muito mais para falar desse assunto. Amanhã volto com os ritmos que mais gostei. Se tiverem algum assunto daqui que gostariam que eu esmiuçasse mais é só deixar nos comentários. Até mais🙋🏽♀️
O valor da exposição está nestas palavras :”Aqui na Europa escutei o grito dos excluídos que é muito abafado dentro do próprio Brasil.”
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Ecoa…
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Republicou isso em Nova Visão: Cultura & Cidadania.
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Obrigada 🙋🏽♀️
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Quanta riqueza…quanta beleza…e, quanta tristeza…
Quando tiveres um tempo, ouça esta música do Almir Sater.
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Ouvirei, obrigada e bom fim de semana.
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Essas exposições são muito enriquecedoras.
É uma pena que dentro do próprio Brasil, tudo seja tratado como se fosse passado, ao invés de um presente que se mostra cada dia que passa mais rude e vil… 😦
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Tudo tratado como se fosse passado, falou tudo!
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