

SIDDHARTHA – um poema indiano – Hermann Hesse
Dizem que você conhece uma pessoa pelos grifos em seus livros. Aqui seguem os meus em grifos parte II. Grifar é o mesmo que sublinhar, nesse caso, também diria subliminar.
…continuavam a ser as artes de pensar, de esperar e de jejuar que dirigiam a sua vida; às pessoas, o povo de crianças, continuavam a ser estranhos aos olhos dele, tal como ele era estranho aos olhos delas…
…vida regrada, prazer em pensar, horas de meditação, secreto conhecimento do Eu, do eterno Eu que não é corpo e nem consciência…
…lentamente, como a humidade que invade o tronco morto da árvore, o enche e o faz apodrecer, o mundo e a indolência invadiam a alma de Siddhartha, enchiam lentamente a sua alma, tornavam-na pesada, cansavam-na, adormeciam-na…
…só lenta e imperceptivelmente, com o passar das estações das colheitas e das estações da chuva, a sua ironia decresceu, a sua superioridade acalmou-se…
…invejava a única coisa que lhe faltava e que elas tinham, a importância que atribuiam às suas vidas, a intensidade de suas alegrias e medos, a angustiada mas doce ventura da sua eterna capacidade para amar. Estas pessoas estavam sempre apaixonadas, por si mesmas, por suas mulheres, pelos seus filhos, pela honra, pelo dinheiro, por planos e por esperanças. Mas fora isto que ele não aprendera com elas, exatamente isto, esta alegria infantil, essa loucura infantil; aprendera com elas apenas as coisas desagradáveis que ele mesmo desprezava…
…sentia-se como se estivesse desperdiçado inutilmente a sua vida; não lhe restava nada de vivo, nada que tivesse valor ou que valesse a pena conversar. Estava sozinho e vazio como um náufrago na praia…
…tantos anos sem objetivos elevados, sem sede, sem exaltação, contente com os pequenos prazeres e, no entanto, nunca se sentindo satisfeito…
…estava cheio de tristeza, cheio de tédio, cheio de morte, nada restava no mundo que o pudesse seduzir, alegrar, consolar…
Om! – disse para si mesmo – Om! …tomou consciência da indestrutibilidade da vida, tomou consciência de tudo o que era divino, de tudo o que tinha esquecido…
…a roda das formas gira velozmente…o que é efêmero muda depressa…
…agora que todas essas coisas efêmeras me escaparam, aqui estou eu de novo sob o sol como quando criança, nada me pertence, nada conheço, nada sei fazer, nada aprendi. É assombroso! já não sou um jovem…
…foram precisos muitos anos para perder o espírito, para esquecer como se pensa, para esquecer a unidade…
…fui obrigado a cometer tantos erros, tantos pecados, tantas loucuras, a enfrentar tanta miséria e desilusão e sofrimento, para voltar a ser uma criança e recomeçar…
…tive de sobreviver ao desespero, tive que descer ao pensamento mais insensato, à ideia de suicídio, para poder experimentar a misericórdia, para aceitar novamente o Om…
…alguns desses milhares, no entanto, poucos, quatro ou cinco, para quem o rio deixará de ser um obstáculo, esses escutaram a voz do rio e este tornou-se sagrado para eles…
…antes de mais nada, aprendeu a escutar, a ouvir com o coração sereno, com a alma receptiva e aberta, sem paixões, sem desejos, sem julgar, sem formular opiniões…
… o rio é igual em toda parte, na fonte e na foz, na que d’água, no lago, na montanha,igual em toda parte, é que para ele apenas existe o presente, nem as sombras do passado, nem as sombras do futuro…
…fiquei sentado ouvindo o rio, esse me disse muito, encheu-me profundamente de pensamentos proveitosos, pensamentos de unidade…
O filho …ficava sentado dias inteiros na colina dos mortos, pálido, sem comer, de olhos fechados,de coração fechado, enfrentando e resistindo ao destino…
…e Siddhartha percebeu que seu filho não lhe trouxera felicidade e paz, mas sim preocupações e dor. Mas amava-o e preferia amá-lo com preocupação e dor, mais do que viver feliz e em paz mas sem o rapaz…
…ele ao contrário de ti, não abandonou a riqueza e a cidade por aversão e tédio, foi obrigado a deixar tudo isso contra a sua vontade… a água quer estar com a água, a juventude quer estar com a juventude, o teu filho não está no lugar onde pode progredir…
…o seu filho era uma paixão muito humana, era Samsara, uma fonte turva de águas negras… que tinham origem no seu próprio ser…
…ele faz aquilo que tu neglenciaste, ele toma conta de si, segue o seu caminho… males que em breve te farão rir também…
…ele sentou-se e escutou o pó da estrada, escutou o seu coração, o seu cansaço e suas tristeza, esperou por uma voz…
…o rio ria-se. Sim, assim era, tudo o que não era suportado até o fim e resolvido regressava…
…mostrar a sua ferida era o mesmo que banhá-la no rio, até ela arrefecer e ficar una com o rio…
…Siddhartha desistiu de lutar com o destino, desistiu de sofrer. No seu rosto brilhava a serenidade da sabedoria a que nenhuma vontade se opõe, que conhece a perfeição, que está em sintonia com o fluxo dos acontecimentos, com o curso da vida, cheia de compaixão, cheia de simpatia, entregue à corrente, parte da unidade…
…quando alguém procura pode acontecer que seus olhos vejam apenas a coisa que ele procura…porque ele pensa sempre e apenas naquilo que procura…mas encontrar significa ser livre, manter-se aberto, não ter objetivos… pois, perseguindo o seu objetivo, muitas vezes não vês aquilo que está perante aos teus olhos…
…tudo o que pode ser pensado com o pensamento ou dito com palavras é parcial, tudo é parcial, tudo é metade, a tudo falta totalidade, integralidade, unidade…
…uma pessoa nunca é completamente santa e nem completamente pecadora…
…o tempo não existe, também não existe a aparente diferença entre mundo e eternidade, entre o sofrimento e a bem aventurança, entre o mal e o bem, é também uma ilusão…
“um dia” é uma ilusão, uma metáfora… o mundo é perfeito em todos os instantes… as criancinhas têm dentro de si a velhice…todos os moribundos têm a vida eterna…
… mas não posso amar as palavras. É por isso que não aprecio as doutrinas… talvez seja isso que te impede de encontrares a paz, talvez sejam as palavras em excesso…
…prefiro a coisa à palavra, a sua ação e vidas são mais importantes que as suas ideias. Não vejo a grandeza no falar e no pensar, apenas no agir, no viver…
Sei que até hoje este aí acima é um dos livros mais caros ao povo alemão – ao menos para uma, duas, três gerações. Eu o li há muito muito tempo.
MUDANDO: Neste momento deste domingo, o barraco da vó Maria está cheio de netas e netos. Só riso, festa, Dona Maria fica maluquinha.
Bom domingo.
Darlan
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Ah participei dessa ‘maluquice’ no fim de ano lá na minha terra, bem sei o quanto é bom. Boa semana 🙋🏽♀️
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Ah, em tempo: anteontem, fiz uma postagem na qual cito ter revisto Hermann Hesse “no WordPress de uma amiga”. Uma postagem intitulada TERMOS DE POSSE.
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